sábado, 2 de dezembro de 2017

DE MEDIA PARA MÍDIA, FALTAM MEIOS

por Paschoal Motta*                     
                                                                 
              “Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social.  E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva.”
  (Fernando PessoaLivro do DesassossegoCompanhia das Letras, 02ª. ed. 2005, São Paulo)  

Quando se divulgou no Brasil a palavra mídia, da expressão mass media (Inglês e Latim), igual a meios de comunicação de massa, ou simplesmente meios, quase todos os comunicadores profissionais aprenderam a novidade e proclamaram a pronúncia inglesada de media, substantivo plural oriundo do adjetivo latino medium, que, por fim, resultou em nosso meio, meios (popular) de largas usanças. Até então, entre nós, media aparecia, na forma e pronúncias originais, e em situações específicas. Meio tem, como sinônimo, veículo de comunicação, ou apenas veículo, atualmente desbancado pelo mídia, que grassou que nem tiririca no mal cuidado jardim nacional da Flor do Lácio.
Mais recentemente, importamos e adotamos, com antiga afoiteza, as palavras diet (com pronúncia daíete), bike (baique), com apenas as deformações fonológicas. Fiquemos só nestas de uma lista crescente. São reduções de diaeteticus (Latim), e bicyclette (via Francês, por sua vez composta do prefixo latino bis, dois/duas, mais a palavra grega kyklos, roda, (grafia latinizada), mais eta. Importamos, ainda, dos Estados Unidos da América do Norte, bicycle, já representada em bike, e também com a apreciada dicção estrangeira. (Aliás, sempre demos ao importado mais valor que ao tupiniquim.) Nestas duas palavras, não conseguimos destruir a grafia, arremedando apenas a pronúncia.
Agindo assim, profissionais da Comunicação demonstram ignorar esta questão que desencadeia prejuízos irreversíveis na área linguística nacional e em nosso status de nação de idioma próprio. E não faltam representantes de renome nesse palco da macaqueação.
Evidentemente, nenhum falante de determinado idioma necessita, de início, conhecer a origem das palavras no momento em que as fala ou escreve. Mas, profissionais da Comunicação parecem descuidados com a questão e provocam prejuízos irreversíveis para a questão linguística e outras, como veremos.
Assim e aí, nos estrepamos, damos com os burros n’água. O desastre: abrigamos e divulgamos termos geneticamente latinos, correndo, porém, pelo acostamento, com a dicção original adaptada lá das plagas estranhas de onde vieram e em contramão na via de nossos parâmetros etimológicos. Aí, a língua que o assinalado Camões definiu para a posteridade vai, à deriva, por águas nunca dantes navegadas, afundando num poço de estranhas confusões.            
O Dicionário Aurélio, muitíssimo usado entre nós, registra mídia, sua etimologia e a abrangência de seus significados históricos e atuais, todavia sem qualquer observação quanto à sua descaracterização radical entre utentes do Idioma Português: a destruição de sua raiz, o principal núcleo morfo-semântico de uma palavra em qualquer língua, neolatino ou não.
Vale lembrar, de passagem, que, na árvore genealógica dos sistemas linguísticos do Planeta Terra, o Inglês floresce no galho dos idiomas germânicos, do tronco geral Indo-Europeu, onde se encontram também o Alemão, Africâner, Holandês, Dinamarquês e outros. Do Latim, também do tronco indo-europeu, já do grupo itálico, do outro lado da mesma árvore, se desenvolveram e frutificaram estes seus principais descendentes: Português, Italiano, Francês, Espanhol, denominados idiomas neolatinos, novilatinos, ou românicos. Mesmo reforçado por outros empréstimos, o Português apresenta a maior quantidade de seu vocabulário e sintaxe formados do Latim implantado na Península Ibérica pelo Império Romano. 

Nas longas e pedregosas estradas da civilização romana, os itálicos, assim também ditos, se apropriaram, máxime, de termos da civilização de Atenas, do científico, do filosófico, do religioso e do artístico, enfim elementos tirados das suas várias manifestações linguístico-culturais. Mas a raiz, repetimos, principal núcleo significativo das palavras importadas, foi mantida, como é fácil comprovar. Obviamente, os da Península Itálica as adaptaram à grafia do seu alfabeto, mantendo, já comprovaram especialistas, a pronúncia de origem, como com os ditongos e outros sons helênicos. Ainda é fácil e honroso constatar quanto o Mundo Ocidental se enriqueceu e se enriquece com aquelas civilizações. Haja vista na tecnologia e demais ciências antigas e contemporâneas a abundância de palavras, sufixos, prefixos, desinências do Latim e do Grego, berços, máxime das civilizações ocidentais.
Neste momento, digito este texto num microcomputador na tela de um monitor... Antes, datilografava sobre papel numa máquina de escrever e tirava cópias com papel carbono... Hoje, se errar, no microcomputadordeleto, etc. Convidamos o leitor a conferir a origem primária destes termos em itálico num bom dicionário. São de nossa constituição cultural.
Inúmeras palavras de outros idiomas, aqui aportadas, se adaptaram ao formato do Português sem outros atropelos, inclusivamente as ágrafas dos nossos indígenas. A causa eficiente e profunda desta argumentação sobre alguns desacertos na Língua Portuguesa será detectada nas importações desenfreadas, irresponsáveis de meros sons e grafias alienígenas que adulteram vocábulos de nossa genética linguística com declarada aquiescência das tribos profissionais na abrangente área da Comunicação. Importações de palavras sempre serão saudáveis, mas adaptá-las, tal qual procedemos, ainda que demoradamente, como do Inglês football, foxtrot, corner, lead,  penalty, team, copy desk, copyright, snooker... que aqui vestiram roupas de nossa linguagem e se converteram em futebol, foxtrote, córner, lide, pênalte, time, copidesque, copirraite, sinuca e outras muitas. Demos a elas, como não pode deixar de ser, um verniz latinizado, local, nos sons, na escrita. Aí, tudo ótimo!
Ressalte-se que, nos Estados Unidos, nosso árbiter cultural, e na Inglaterra, principais países de fala inglesa, os termos latinos, lá, são grafados em sua forma original, facílimo conferir. Haja vista nosso media, gancho desta breve reflexão e de outros, como éxit e stadium... (e não stêdiân, com pretensa pronúncia alemã da palavra latina por jornalistas brasileiros na cobertura da última Copa Mundial de Futebol). Estima-se que o dicionário inglês abriga mais de cinquenta por cento de termos greco-latinos, originais, adaptados ou não, geralmente já no formato latino. Jamais serão gratos, porém, os que instalamos por via transversa, como nos exemplos, sucintamente comentados, de mídiabikediet. Estas danificadas justo por nós, na sua estruturação física e/ou fonológica. E assim e mais, acabam, em expressões, contaminando, por fim, a sintaxe. Aí, desarranjos intestinos serão irreversíveis, ainda mais com prática abusiva e insistentemente por quem por elas devia zelar: redatores, revisores, radialistas, jornalistas, professores, advogados, reitores, religiosos e outras atividades profissionais cuja ferramenta básica é a Língua Portuguesa, “língua românica oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, também falada nas ex-colônias portuguesas Goa (Índia) e Timor-Leste (anexada pela Indonésia), e que serviu de base lexical a diversos crioulos.” (Dic. Aurélio Eletrônico – Século XXI)

Que necessidade temos, afinal, de praticar deslealdades com o Idioma Pátrio, que herdamos, desde tantos e tantos fundadores da marcante civilização latina, se temos dietético, bicicleta? Por que esses termos nacionais são grandes, feios no físico e nos sons? Que morremos de vergonha de nossas matrizes culturais? Até parece que abominamos, temos ódio do sistema linguístico dos nossos maiores, via Roma / Portugal, e fica mais decente, mais globalizado, mais bonito meter nela estrangeirismos, mesmo que descabidos e desnecessários. A verdade é outra. Isso, aliás, acontece não é de hoje. Somos macaquitos calejados em outros arremedos. Nossa subserviência geral é atávica e por vezes vergonhosa.  Quando Você já leu numa camiseta uma palavra, uma frase em Português, Latim, Tupi, ou língua africana, francesa, grega, parceiras estas de nossos mais profundos e significativos suportes culturais? E dispomos de palavras sonoras, bonitas, instigantes. Só que em casa de ferreiro o espeto é de pau... Ou simplesmente por que não as conhecemos.
Aprendemos desde a infância, e quase conservamos, que era sempre melhor o fabricado fora do País. Isso desde o carretel de linha ao automóvel. Ah, este serrote é nacional, não presta para nada... Canivete, só da marca Solingen, estrangeiro, importado... Este terno é de casimira inglesa e linho irlandês, não temos melhor no comércio. O Cinema nacional, uma porcaria; não vi e não gostei...
Até hoje, esse ranço forceja por bafejar nosso comportamento subserviente, e de maneira por vezes descarada, desonesta, indecente. O importado é marca de garantia de qualidade. É só conferir em anúncios, promoções, notícias e em bocas de muitas pessoas.
Quanto a estrangeirismos vocabulares, nada contra; é das línguas civilizadas esse proceder desde seus mais antigos registros. O Português se enriqueceu e se enriquece com aportes do Alemão, do Japonês, do Turco, do Russo, entre outras não greco-latinas, para não falar dos ameríndios e africanos, em boa quantidade. Acontece que, aqui, a maioria das importações é desnecessária e algumas aviltantes, como esse descabido mídia, malmente trazido para cá por via exclusivamente oral e grafado como o pronunciam os estadunidenses e os anglos, com a raiz carunchosa, porém.
Pelo sim, pelo não, sejamos no mínimo um tantinho coerentes, e vamos falar e escrever doravante: por intermídio, intermidiário, midianeiro, midiatário, mídio de campo, a mídia de renda...  aí afora. Ou melhor ficarmos com o medium espírita, que também atende por cavalo, mas não relincha nem escoiceia nossas bases culturais?
*Paschoal Motta, escritor, jornalista e professor
(São Pedro dos Ferros/Belo Horizonte)

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