sábado, 2 de dezembro de 2017

QUANDO MEDIA ERA MEDIA

por Paschoal Motta*

Na década de 1980, a Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes) mantinha uma publicação intitulada Ars Media, dirigida em seus últimos tempos pelo Poeta Márcio Almeida. E todos pronunciavam corretamente o lá escrito, sabendo que aquele título era uma expressão latina, mesmo que adaptada...
Agora, recebemos correspondência pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que incita a jogar a toalha, divulgando um selo “Design brasileiro” (ipsis litteris)... Ah... design é latino (de designare, v. desenhar; também corroído na raiz, mas ainda só na pronúncia). Alguma necessidade para semelhante apelação? Alguma necessidade de alterar a grafia e a pronúncia do termo? E justamente por um órgão federal. Brincadeira! Me enganam, e eu não gosto disso! Depois, queremos que a mocidade ame sua terra natal, assim e assado, e outras baboseiras impostas que quase nada têm com um sentimento local verdadeiro, emocionado, desde as bases culturais. Somos, mesmo, um país (aqui com inicial minúscula) grande e bobo, como repete apreciado escritor mineiro.
Mais motivações para jogar a toalha no tablado da babaquice: reportagens e promoções oficiais sobre nossas regiões turísticas, ou disputas de mountain bik com veiculação da TV Cultura vêm com música incidental de origem alienígena, e quase sempre cantada em Inglês. Se um desavisado pega já iniciada uma dessas peças, logo imaginará que aquilo lá na telinha vem de um país estrangeiro, mesmo a paisagem tropical lhe parecendo algo doméstica. Estão-me achando com cara de quê, Senhoras e Senhoras da Mídia? É só conferir. Lá em São Pedro dos Ferros, ainda perguntamos, em situações ridículas tais: o que tem a ver isso com os fundilhos, isso de mostrar aspectos de nossas paisagens com uma voz cantando num ritmo e numa línguagem das arábias?  E expandimos nossa subserviência. Ah, o clima de Extrema é suíço? O de Campos do Jordão, nem se fala. O Parque Florestal do Rio Doce é a Amazônia mineira...
Apreciamos sempre estrangeirismos e, por qualquer dá-cá-essa-palha: Rand SportsTest DriveShow business, agro business, Semana Fashion, pizza gigante... delivery; em menor quantidade com outros idiomas, como o Francês, Espanhol e outros menos votados. Vejamos, de um apenas anúncio de apartamento (este tem a raiz part, de pars-partis, Latim, parte, porção) em que o comprador se embarafusta numa algaravia de estrangeirismos: quarto com suíte (Francês), home office (Inglês), espaço gourmet (Francês), varanda com advanced kitchen (Inglês), sauna (do Filandês!), quadra de squash (Inglês), hall (Inglês) decorado, executive golf com driving range, putting green, espaço kids, amplo living (Inglês)garage band (Francês e Inglês), pista de cooper (Inglês), fitness center (Inglês e Grego/Latim), mas empregado largamente como se Inglês). Para completar, o nome do edifício é Ville de Tal (Francês) no Bairro Sion (Hebraico). Ou Ville Babel? Seja Top Babel, como outro é Top Green! Fora o stand de vendas. Coisa de maluco. Fox-Trot do mad gringo. Eta-ferro! Ufa!  O comprador vai-se sentir valorizado, envaidecido, respeitado, comprando um big apartamento em New York defronte do Central Park. Esse Central saiu também do Latim, Gente! Aqui, têm certeza que é da língua de Walt Witmann, senão não vale, não vende. Queremos faturar em riba dos novos ricos, uai! E o exagerado batismo de prédios de apartamentos com nomes em England; e, menos cotados, em Francês e Italiano? E as nossas árvores, frutas, rios, pássaros, de nomes indígenas sonoros não podem, ou são desconhecidos?  A adoção direta de vocabulário não adultera uma língua, mas exagero disso...
Outra curiosa e hilariante ilustração de nossa renitente necessidade de afirmação com fumaças de grandeza, sabedoria e não ficar por baixo foi a da tentativa de um proprietário de boteco, em Divinópolis, há alguns anos. Mandou grafar placa do estabelecimento em letras vermelhas e azuis: Kings of Bar...(Sem o apóstrofo. Com ele, seria a glória!). Ou ranço duma doença hereditária? Mas, esse botequineiro não tinha compromisso profissional na feitura de seu curioso anúncio.
Tente transcrever orientações em quatro línguas, em caixa do já em desuso “disquette”, esses de micros computadores, comercializados também aqui; confiramos apenas no item Fungo: “Fungus resistant media / Suppport résistant à la moisissure / Medio resistente a hongos Mídia resistente a fungos.”
Somente nós destruímos o “media” latino.  O Inglês usa media integral, o Francês, support, o Espanhol, medio, e nós... Ampliando este pretexto por outro lado: Você já conferiu como nossas emissoras, principalmente de rádio, não divulgam, há tempos, canções de feição latino-americanas? Muito se escutou, se cantou, se dançou nestas plagas guarânias, tangos argentinos, boleros mexicanos e outros. E não faz tanto tempo assim. Gerações mais recentes sequer ouviram esses ritmos. Vez por outra, tocam em rádio uma canção italiana, francesa, e pronto. Mais legal é engolir e ruminar o impingido, modo geral lixo, e descartável, principalmente música popular. Tirante a erudita, outro país não tem a menor oportunidade de ser escutado aqui em suas composições musicais, e vejamos lá. Contam-se nos dedos da mão direita jovens brasileiros que têm oportunidade de conhecer Noel Rosa, Pixinguinha, Nélson Cavaquinho, Ari Barroso, até mesmo Tom Jobim, Chico Buarque, Paulo Vanzolini, além de outros ótimos compositores e intérpretes mais recentes e atuais, para citar apenas uns dos inúmeros que temos de invejável qualidade. É facílimo conferir.
Se adultos e mais jovens são engambelados, para não dizer massificados, com uma escória musical, descartável, nacional. Pelo menos, essas canções têm a nossa fácies, ainda que mutilada, de nenhuma qualidade musical, mas entendidas nas letras mixurucas. Pensar cansa. Sentir? A Gente aqui quer é barulho, zoar... 
Na Literatura, escritores de qualidade andam de pires na mão com as editoras. Pouquíssimos lidos, os latinos são por vezes divulgados e publicados entre nós. Mas, pelos altos preços dos livros e a falta absoluta de divulgação inteligente das editoras, são impossíveis para quase todos os bolsos. As publicações britânicas e estadunidenses, de duvidosa qualidade e, por vezes, bem traduzidas, graças a pesadas promoções (marketing), nos meios de divulgação, conseguem boas vendagens e são consumidos ainda nas telas de cinema. São comprados aos milhões mundo afora. É bom que se diga: escritores tupiniquins de prosa de ficção, modo geral, precisam criar textos interessantes, típicos, de ação, em que a vida atue sem psicologismos opacos e insossos. No mais, nos produtos da criatividade artística, e nos demais consumismos, não temos escapatória. Ah, mas Você está-se esquecendo que já vivemos tempo em que o Francês imperava nestas plagas brasílicas, onde o céu era mais azul...
Até quase metade do século passado. a cultura francesa, notadamente em aspectos linguísticos, não nos agredia, nem nos desmerecia ou descartava no concerto das nações, porque numa expressão de mesma origem. O Francês é irmão do Português, palmas do mesmo tronco. Mesmo assim, francesismos, vocabulares ou frasais, eram evitados por afetação, desnecessidade em vista do apreço que gerações passadas sentiam pelo Idioma Nacional. Vale lembrar, quanto a esta questão, uma afirmação atribuída a Gilberto Amado, escritor, jurista, jornalista, político, diplomata, que teria dito: “Uma rua de Paris é um rio que vem da Grécia.” Aliás, a língua de François Villon e de Molière deve ter sido destronada Aqui no Brasil, O Inglês começou a imperar a partir das primeiras projeções cinematográficas do cinema californiano falado mais ou menos em 1928. Foi este o grande propagador e propulsor de novidades que até hoje forcejamos por arremedar nas mais diferentes atividades e comportamentos. O gênio de Noel Rosa transfigurou isso no samba Cinema Falado. Monteiro Lobato, brasileiríssimo, registra, nos primeiros anos do século passado, a transição do Francês para o Inglês em Literatura do Minarete. Ali, ele ainda registra, entre outros, termos ingleses, importados da Inglaterra e já aportuguesados, como bola (ball), chute (só no som). Será interessante e ilustrativo conferir outros exemplos naquele escritor.
*Paschoal Motta, escritor, jornalista e professor

(São Pedro dos Ferros/Belo Horizonte)
           

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