sábado, 2 de dezembro de 2017

IMPORTAR NADA IMPORTA

por Paschoal Motta*

Importar e degustar, sim, manifestações artísticas estrangeiras, sem xenofobismos rasteiros. Todas as culturas fazem isso, mas, entre nós, seja com consciência crítica de sua qualidade, necessidade e praticabilidade de adaptação ao que temos criado aqui e decantado (trocadilho?!) pelos séculos. É, assim, sempre salutar. Nenhum falante de determinado idioma precisa conhecer a etimologia, origem, dos termos que articula no ato de sua comunicação, falada ou escrita. Mas, importa conhecer, sim, noções básicas da história da formação de seu sistema linguístico e suas variadas aplicações em plateias específicas. Nosso sistema é oficial, isto é, de manifestação formal definida, de lei, queiramos ou não. E dizemos isto do comunicador brasileiro, do Oiapoque ao Chuí, de rádio, jornal, revista, propaganda, televisão, tribunal de júri, sala de aula, púlpito de igreja, meios oficiais de informação, aí afora. Imaginemos cada um dos profissionais em comunicação tratando a Língua Nacional do jeito que bem entender, como, aliás, procede a maioria desses profissionais! A latinidade é a raiz, a seiva, as flores e os frutos de nossa cultura e conta, para sobreviver a novas primaveras, com nossa atenção de herdeiros conscientes e responsáveis. Um profissional da palavra tem dever legal e de cidadania com o que transmite, falando ou escrevendo, para pequena ou grande plateia. Um profissional ignorante disso será um marginal nas estradas esburacadas da cultura que ele representa, ou crê que. Ou atinaram para ferrugem que divulgam?
Que vaidade deveríamos sentir por ser os continuadores de uma cultura tão positivamente marcante no Planeta, em todos os sentidos da elevação humana, e vem sendo construída desde as plagas do Latium, na Península Itálica, a Língua Latina.

Damos um quindim a quem detectar, em dez anúncios produzidos por agências de publicidade, escritos, radiofonizados, cantados, televisados, cinematografados, nove que não apresentem alguma agressão à linguagem, formal ou popular, e sem a menor necessidade. E isso desanda de cima para baixo. A emissora de rádio do Governo Federal veicula reiteradamente, por exemplo, gratuítopromulgado uma lei, e mais declarados barbarismos, em mensagens gravadas, entre muitas outras agressões à Língua padrão. Vamo-nos empobrecendo desabaladamente, por ações nossas, na descida destrambelhada da linguagem nacional. E perdendo nosso caráter cultural. Duvidar, quem há-de?
O Latim foi, há muito tempo, banido das escolas brasileiras! Pode ser aprendido somente em Curso de Letras Neolatinas. No mínimo, seu estudo ajudava a pensar com algum discernimento, a apurar a memória. Como a mocidade terá informações básicas de que o idioma dele é o Latim atualizado no Português? E como desejar que as recentes e futuras gerações tenham noções e práticas de haveres e deveres com suas heranças culturais, se, na essência, mal ou nada conhecem delas? Que língua eu falo? De onde veio isso e aquilo? Que dança é essa? Essa música não toca no rádio... Somos levados, por técnicas aprimoradas, a tudo consumir de descartável, até nossa pessoal consciência crítica da realidade circundante. Usou uma vez, acabou; jogue fora; amanhã tem mais...

Alguns poderão objetar: Enfrentamos males maiores e precisamos da sua imediata solução, ou a minimização a curtíssimo prazo, como o comércio e uso indiscriminado de drogas entorpecentes e seus perniciosíssimos efeitos destruindo a mocidade e suas famílias; fome endêmica, doenças idem, ladroeira e assassinatos em expansão nas autoridades constituídas, impunidade generalizada até de detentores de poderes políticos, financeiros entre muitos. E nossa podre ingratidão para com os animais, incluindo desmatamentos e queima de seus ambientes? Quase ninguém nem aí para os ditos irracionais e muito menos para seus semelhantes ditos racionais. As imundícies da indústria e agropecuária na água, no ar e na terra, e outras mazelas que inventamos e praticamos por ignorância e ganância? Agimos como se o futuro da vida acabará na meia hora seguinte.  São outros sintomas de um desinteresse geral pelo Brasil e, por extensão, pelo Planeta. E o crime organizado se alastrando e tomando conta dos cidadãos que nem tiririca na horta do nosso quintal? A estrada é longa, pedregosa, sinuosa, íngreme, mas pode ser reformada. Melhor, pede para ser reformada.

O Rádio ainda é o grande veículo de informação de massa e é dos principais detratores da Língua Pátria. Você pode escutar rádio até obedecendo à primeira ordem divina no Paraíso, crescendo e se multiplicando. Um sem-fim o rol de atropelamentos da linguagem por bocas em microfones. Envergonha, quando jornalistas esportivos entrevistam jogadores de futebol de países vizinhos e irmãos, em Espanhol, aqui dentro de nossos verdes gramados, para mostrar sabedoria. Estropiam a língua de Cervantes e de García Lorca, e, na maior cara-de-pau, se ufanam do feito glorioso, e saem elogiados por seus diretores e editores pelo heroísmo jornalístico... Recentemente, um Governador de Estado saudou participantes de um acontecimento internacional, aqui no Brasil... em Espanhol!
Em que pé anda um noticiado (ou boatado?) projeto federal sobre uma TV brasileira (do Governo Federal) para também países hispânicos... em Espanhol? Assim, nossas notícias seriam bem entendidas fora de nossas fronteiras próximas e além-mar, conforme se comentou. Tem gente aí nos achando com cara de bestas... Me desculpem o chavão, queridas irmãs e irmãos quadrúpedes!

Com a velocidade atual dos veículos de informação (ou mídia?), as línguas resistirão até não se sabe quando debaixo mais fortes. Mas, aqui, agora, tenhamos a dignidade de não enfear a nossa indefesa e ainda bela Última Flor do Lácio. Temos o direito à herança da Língua Portuguesa com obrigação imprescindível de preservá-la para as gerações presentes e futuras. Vamos conhecer, admirar línguas outras e suas culturas; aproveitar delas o que nos complete e encante. Não vivemos isolados neste Planeta com sua diversificada geografia, clima, cultura, cor de pele e o mais.  Ignorar isso sempre será pernicioso por inconsequente. Por outro lado, sempre vale repetir: é perdendo o conhecimento da língua pátria que um povo perde seu passado, nas suas mais autênticas manifestações e, por fim, sua dignidade pessoal e coletiva no presente e no futuro.

*Paschoal Motta, escritor, jornalista e professor

(São Pedro dos Ferros/Belo Horizonte)

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